terça-feira, 12 de abril de 2016

Divagações abstratas sobre trabalhar




Dentre as definições do dicionário (Sim, eu fui no dicionário procurar) para a palavra ‘trabalho’ está: Exercício material ou intelectual para fazer ou conseguir alguma coisa. Isso pressupõem que todos que trabalham tem algum objetivo. No meu caso, como redatora numa agência de publicidade, são vários: pagar o aluguel e as contas todo mês, aprender a escrever melhor, me sentir útil no mundo.

Em algum momento da minha vida profissional, percebi que a vida no trabalho não se parecia em nada com as salas de aula onde eu passei boa parte da minha vida. Eu não podia simplesmente chegar atrasada, sentar no fundão com um fone discreto no ouvido e ficar rabiscando no caderno. No trabalho eu tinha que produzir, mostrar resultados, números, dar satisfação, dar bom dia, falar ao telefone, sorrir sem vontade.

Na escola/faculdade você acaba sempre interagindo com as pessoas (a menos que seja um recluso incurável) porque são seus amigos ali, gente com quem você cria vínculos depois de tanto tempo (e perrengues) que passam juntos. Mas no trabalho não importa de verdade se você gosta ou não de fulano, ou se você criou vínculos e laços afetivos com alguém. Você tem que falar com todos, ser educada, sorrir, mesmo quando tudo na sua vida está errado e pesando no seu coração. Porque é dali que você vai tirar o dinheiro que precisa pra pagar o aluguel, as contas, pra sair com o namorado, pra comprar os presentes de aniversário das amigas.

Claro que eu estou sendo extrema. Tem dias que a gente murmura qualquer coisa parecida com um bom dia, senta na cadeira e afunda a cara nas planilhas de excel pra esquecer a ressaca ou aquele sentimento aterrador que ameaça te dominar. É claro que passando tantas horas do seu dia em algum lugar você vai acabar se dando bem com alguém. Se não, querida, sai correndo daí e arruma outro trabalho.

Costumo espalhar (e tentar viver) a máxima de que um trabalho é apenas um trabalho. Me dói quando alguma amiga desabafa contando como odeia o chefe, ou o local onde trabalha, ou as pessoas com quem passa a maior parte das horas do dia e fica amargurada por isso. Ter um emprego é importante para nos mantermos produtivos, para ganharmos dinheiro e nos sentirmos úteis, mas se o sentimento de insatisfação se tornar muito maior, o emprego perde essas ~propriedades mágicas~ de nos fazer bem. E aí começamos a gastar desenfreadamente, produzir menos, às vezes até chorar mais. O trabalho deixa de ser benéfico e passa a ser um peso.



Eu já quis fazer de tudo na vida. As pessoas costumam ficar confusas na infância e na adolescência sobre qual caminho seguir, mas eu sempre fui confusa. Sempre tive uma vaga ideia de que queria trabalhar ~escrevendo~, seja lá qual fosse a vaga onde isso se enquadrava. Mas também já considerei muitas outras coisas ao longo da minha vida adulta, algumas chegando até a virar planos parcialmente concretos, com direito a lista de cursos para fazer e pesquisa das rotinas da profissão.

Não sei se eu tenho uma imaginação fértil demais, se tenho empatia demais, ou se simplesmente não sei o que me faria feliz, mas todas as vezes que ouço uma história incrível sobre alguma profissão, me imagino nela. Já quis ser psicóloga, astrônoma, comissária de bordo, jornalista, cineasta, fotógrafa, tia do Yakut. Como tudo na vida, cada ofício tem seu lado bom e ruim, mas costumamos descobrir o que não é agradável apenas na prática. Então quando alguém me conta sobre a liberdade de horário de uma psicóloga, as viagens de pesquisa do jornalista e a rotina artística do fotógrafo eu sou atraída para essa utopia da ocupação perfeita.

E isso é de família! Minha mãe até hoje, com seus 53 anos (‘quase 60!’ como ela diz) ainda me manda mensagens aleatórias de vez em quando entusiasmada com alguma ideia nova de profissão, geralmente sem absolutamente nenhuma conexão de uma ideia com a outra. Às vezes eu olho pra essa mulher e penso “quero ter essa disposição e criatividade toda quando chegar na sua idade”.

Lembro que quando era mais nova ouvia muito sobre a importância de ter um emprego fixo, comprar casa e carro, casar. Lembro de expressões como 'morar debaixo da ponte' e 'passar fome' como frases de inspiração pra aguentar trabalhos chatos e opressores que dão convênio médico e ticket alimentação. Meus conceitos foram costurados nesse tecido de medo do aperto financeiro e hoje luto contra mim mesma para mudar isso. Trabalho não é isso, não é um peso insuportável. Viver infeliz por medo de mudar, de arriscar, de agir diferente é o pior jeito de viver, de trabalhar.

Larguei uma grana boa, benefícios certos todo mês, 30 dias de férias remuneradas e banco de horas para abraçar uma outra forma de trabalhar: menos dinheiro, menos benefícios, menos estabilidade e muito mais satisfação. Arrisquei para buscar o objetivo mais grandioso do trabalho: me sentir útil, produtiva, necessária. Arriscar é preciso. Trabalhar é preciso.

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